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O problema do verde e a teologia pública

por

Brenner Ferrel

O problema do verde e a teologia pública

Um dos aspectos mais surpreendentes do debate sobre o lugar da teologia pública ou melhor teologia na esfera pública, está relacionada com a síndrome do “Alienista” por parte dos secularistas e de alguns evangélicos. Essa síndrome está sobretudo ligada a um entendimento dualista da realidade, que acaba por confinar e restringir a atuação do teólogo/pastor à esfera da religião – e somente a ela – tendo em vista o confinamento de suas ideias a uma espécie de gueto religioso evangélico. Seria essa a verdade sobre o lugar da teologia na esfera pública? Poderia a teologia contribuir de alguma forma aos temas complexos da sociedade que são discutidas na esfera pública? 

Para respondermos essas perguntas, se faz necessário entendermos o “locus” de seu problema, a saber, o que é uma visão de mundo dualista da realidade e o papel e contribuição da teologia para a esfera pública.

No que consiste a crença dualista da realidade?

A crença dualista enfatiza que não é possível que realidades opostas e irredutíveis sejam integradas ou sintetizadas, como, por exemplo, esfera pública e esfera religiosa. Sendo assim, a fala de um religioso de ofício – seja ele teólogo confessional ou pastor – deve estar confinada aos intramuros de sua esfera de atuação, que não atraí o interesse alheio, e, portanto, deve ser restringida ao público dos fiéis interessados em suas reflexões.

Infelizmente essa visão de mundo tem influenciado muitos cristãos evangélicos, que juntamente com os inimigos de sua fé, tem vívido a síndrome do “Alienista”. Quem já leu esse clássico de Machado de Assis sabe dos feitos do Alienista, um psiquiatra que trancafiava diversas pessoas em seu manicômio chamado “Casa Verde”, devido a elaboração de uma teoria que o levou a classificar diversas pessoas (inclusive a sua própria esposa) possuinte de problemas patológicos, e, portanto, carentes de cuidados médicos. Cerca de 75% da cidade de Itaguaí e seus arredores, se encontravam nos cubículos da “Casa Verde”, gerando uma revolta contra ao médico Simão Bacamarte, que havia se tornado um déspota aos olhos da sociedade. Devido há algumas incursões, o Alienista chega à conclusão de que sua teoria estava errada e finda por soltar os doentes de sua clínica. Porém, após empreender uma revisão de sua teoria, torna a confinar outras pessoas na “Casa Verde”, e mais uma vez, chega à conclusão do desacerto de sua pesquisa, descobrindo o triste fato, de que, na verdade, o distúrbio do delírio residia nele mesmo, levando-o a internar-se na “Casa Verde”, até o seu falecimento.

Ao que parece a atitude dos adeptos da visão de mundo dualista (secularistas e de grande parte dos evangélicos contemporâneos) visa confinar na “Casa Verde” as vozes confessionais que se propõe a serem ouvidas na esfera pública, crendo cabalmente, que esses padecem de um distúrbio patológico em termos intelectuais, precisando assim, de tratamento médico. Porém, essa análise é fruto de uma cosmovisão dualista que acredita que a função pastoral/teológica deve estar limitada à esfera da religião, e a ela somente.

Qual o papel e contribuição da teologia para a esfera pública?

Quando falamos em teologia pública, estamos pensando em primeiro lugar, que a igreja é o lugar ordinário do fazer teológico, porém, esse fazer teológico precisa ser abrangente e dialogar com a cidade, tendo a esperança de anunciar os valores do reino de Deus e do Senhor das esferas, como afirmou Abraham Kuyper: “Não há um centímetro quadrado em toda existência, no qual, o Cristo que é soberano não esteja clamando é meu”. Assim, podemos classificar a teologia pública como sendo um ramo da teologia que se dedica a aplicar o estudo da revelação de Deus, aos assuntos complexos que estão em voga na sociedade contemporânea, articulando de maneira poderosa uma cosmovisão bíblica abrangente em diálogo com questões prementes da sociedade como um todo.

C. S. Lewis há muito tempo mostrou a importância de se fazer e como fazer teologia pública em meio a hostilidade. Em sua obra “Abolição do homem”, Lewis identifica uma tendência perigosa sendo incutida em seus dias, por meio de livros didáticos do ensino básico da língua inglesa, que segundo Lewis, traria a plena destruição do homem. Analisando o chamado “Livro Verde” e as ideias de Gaius e Titius – que não eram os verdadeiros responsáveis pela filosofia expostas no livro –, que sorrateiramente estava aplicando o veneno do subjetivismo, idealismo e relativismo nas crianças, formando assim, homens sem peito¹. Esse é altamente nocivo, e precisava ser combativa na esfera pública, pois, era nessa esfera que esse vírus mortífero estava transitando, caso os cristãos, adotassem um tom de negligência nesse combate, essa tendência provocaria a dissipação total do homem ocidental. Todavia, o catedrático de Cambridge lutou como um bravo guerreio nos mostrando o caminho, isto é, fazer teologia pública brilhando como uma vela intensamente do início ao fim, faz parte do chamado da igreja de ser sal da terra e luz do mundo.

Conclusão

A perspectiva de limitar a teologia a esfera da religião é fruto de uma visão equivocada da realidade, fundamentada sobretudo, a uma visão dualista. Segundo o testemunho das escrituras, precisamos cumprir com o nosso mandato cultural (Gn 1-2) ², sendo sal da terra e luz do mundo (Mt 5:13-16), tendo isso em vista, H. R. Rookmaaker, acertadamente declara:

“Cristo não veio apenas para nos tornar cristãos ou salvar a nossa alma; ele veio também para nos redimir, de forma que pudéssemos ser humanos no sentido mais amplo da palavra” ³.

A nossa atuação dialogal com a esfera pública nesses termos, faz com que manifestemos o reino de Deus em nosso trabalho para a glória dEle. Não devemos nos esquecer que o mal-visto em nós pelos dualistas – sejam os secularistas ou alguns evangélicos –, é na verdade, um mal que existe neles, como descrito na síndrome do alienista. Contudo, engana-se quem pensa, que a solução para incutir um esclarecimento e correção para essa falsa “crença dualista”, será a “Revolução do Canjica”, ou que o passar dos anos, trará luz ao erro das teorias do Dr. Simão Bacamarte, libertando suas vitimas reconhecendo o erro da sua teoria, pelo contrário! O caminho para nos mantermos na esfera pública, fazendo teologia é fazendo teologia pública.

O dualismo religioso, dada as devidas proporções, é a sombra da heresia de Colosso combatida pelo Apóstolo Paulo. Se admitimos em nossa confissão pessoal de fé que Cristo é Senhor, devemos viver como súditos do seu Senhorio, santificando-o como Senhor em nossos corações, estando pronto para responder a qualquer um que, pedir a razão da vossa esperança, inclusive na esfera pública, seja fazendo teologia pública, apologética pública enfrentando os desafios do “Verde”, da “Casa Verde”, “Livro Verde”.  Para isso precisamos estar imbuídos de uma boa cosmovisão cristã, coerente, abrangente, fundamenta nas escrituras, tema esse, tópico do nosso próximo texto.

Notas:

¹ Lewis, C.S. A abolição do homem. São Paulo: Martins Fontes, 2012

² Mandato Cultural: Mandato Cultural é conceituado como o mandamento de Deus proferido ao homem, nos capítulos iniciais de Gênesis, para dominar e sujeitar a natureza, e cultivar e guardar o jardim, no qual, o homem foi colocado como um sacerdote do templo cósmico de Deus, regendo toda a criação como um vice regente. Este mandato está diretamente relacionado à ideia de produzir cultura, envolvendo todas as esferas sociais da humanidade. Para mais informações, assista no canal da mocidade IBBV o estudo expositivo do livro de Gênesis, ministrado pelo Pres. André Soares.

³ ROOKMAAKER, H. R. A arte não precisa de justificativa. Viçosa, MG: Ultimato, 2010.

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