Nossas Devocionais

2 Perspectivas sobre quando foi escrito o livro do Apocalipse.

por

Brenner Ferrel

O livro do Apocalipse tem sido motivo de muita controvérsia entre os cristãos ao longo dos anos. Uma questão vigente nas principais disputa sobre esse misterioso livro, gira em torno de sua datação, ou seja, quando foi escrito o livro do Apocalipse.

Muitos eruditos têm argumentado que João recebeu a visitação de Jesus Cristo na Ilha de Patmos, nos dias que Domiciano, o décimo segundo imperador de Roma, estava assentado no trono da cidade das sete colinas. Outros, porém, têm proposto que na verdade, João recebeu o conteúdo do Apocalipse nos dias em que Nero governava sobre o trono de Roma.

Ambos os grupos têm digladiado utilizando as armas das evidências, sejam elas bíblicas ou extras bíblicas, para solidificarem a sua tese. E lendo essas palavras você deve estar se perguntando: Será que esse é um debate que paga o café? Eu creio que sim, e a razão é simples! Tendo em vista, a data da composição desse livro, conseguimos determinar qual é a ferramenta hermenêutica mais apropriada para interpretarmos o Apocalipse, chegando assim, ao conhecimento da verdade que conduz a piedade. Por isso, eu quero convidá-los a uma pequena jornada de investigação sobre o assunto, a fim de apresentar as bases e teses utilizadas por ambos os grupos.

Será que o debate sobre quando foi escrito o livro de Apocalipse paga o café?

Vamos começar apresentando as evidências externas as escrituras, que fornecem os fundamentos para o ponto de vista de uma datação no período de Domiciano, entre os anos 90-95 A.D.

Argumentos em favor da escrita do livro no período de Domiciano entre os anos 90-95 D.C

Tanto os adeptos, quanto os críticos de cada posição concordam que a evidência extrabíblica mais formidável, utilizada pelos pais da igreja para defender a tese que João escreveu o Apocalipse, nos dias de Domiciano, encontra-se na declaração de Irineu de Lyon, que foi registrada por Eusébio de Cesareia, em seu livro “História Eclesiástica” que diz o seguinte:

“Se fosse necessário ter seu nome distintamente anunciado no presente tempo, sem dúvida teria sido anunciado por aquele que viu o apocalipse; pois não foi muito antes disto que ele foi visto, mas quase em sua própria geração, nos fins do reinado de Domiciano” Irineu, Contra as Heresias.” (Eusébio, 1999).

Baseada nessa afirmação de Irineu, é inferido que o Apocalipse foi visto por Policarpo discípulo de João, que encontrou o seu tutor nos dias de Domiciano. Essa evidência parece, pelo menos em um primeiro momento, como um argumento formidável, pois, afinal de contas, Irineu foi discípulo de Policarpo, que era discípulo do próprio apóstolo João.

Todavia, muitos estudiosos têm argumentado que essa declaração é nebulosa pelo seu teor dublê, o que não nos permite determinar peremptoriamente o que Irineu queria dizer com ela. Será que ele afirmou que João foi visto por Policarpo nos dias de Domiciano, ou será que ele quis dizer que o apóstolo do amor recebeu o Apocalipse nos dias do décimo segundo imperador romano?

Sobre essa evidência, não podemos ser dogmáticos. Tanto é que o próprio Eusébio que registrou as palavras de Irineu, não acreditava que João era o autor do livro do Apocalipse. Na citação mencionada acima, Eusébio sequer menciona a escrita de Apocalipse, ele apenas de refere ao tempo em que certas pessoas (anônimas) alegavam terem visto o apóstolo ou a profecia.

Além dessa evidência externa, encontramos outras evidências utilizadas pelos defensores dessa perspectiva. Victorinus, um cristão do quarto século, famoso advogado, se refere a João como sendo sentenciado a viver em Patmos, trabalhando em suas minas, pelo imperador Domiciano, foi justamente nesse da vida do apóstolo do amor ele recebeu a revelação de Jesus Cristo.

É ponto pacífico salientarmos que a declaração de Irineu, é o substrato de todas as demais descrições evidenciais sobre esse assunto. Contudo, como já pontuamos, ela não pode ser categórica devido ao alto teor de ambiguidade.

Todavia, os proponentes de uma datação tardia do Apocalipse, recorrem a uma evidência interna desse livro “misterioso”, para fundamentar a tese discutida. Essa evidência é a declaração que consta no capítulo 2:12-13 do livro de Apocalipse:

“Ao anjo da igreja em Pérgamo escreva: Estas são as palavras daquele que tem a espada afiada de dois gumes.
Sei onde você vive, onde está o trono de Satanás. Contudo, você permanece fiel ao meu nome e não renunciou à sua fé em mim, nem mesmo quando Antipas, minha fiel testemunha, foi morto nessa cidade, onde Satanás habita”. (Bíblia NVI)

Segundo o historiador Simão Metafrasta do século X, que recolhia histórias de mártires, escreveu que Antipas, foi executado sendo selado dentro de uma estátua oca de um touro – feito de latão – que tinha sido aquecido até que estava avermelhado de tão quente, segundo o relato de Metafrasta, Antipas proferia orações e ações de graças em alto voz de dentro do touro. De acordo com relato, esse martírio foi realizado durante o reinado de Domiciano (81-96 d.C.).

Esse é o único texto que encontramos sobre o martírio de “São Antipas”, pelas mãos do patife romano. Fora o relato de Metafrasta, não existe qualquer outra fonte que descreva o martírio de Antipas (Ou algum Antipas?), sobre a tirania de Domiciano.

Pela razão de não haver nenhum registro escrito do Martírio de Antipas, desde o tempo do Apocalipse até os dias Simão Metafrasta; portanto, não temos dados suficientes para atinar se essa é a história do Antipas mencionado em Apocalipse 2:12-13.

Argumentos em favor da escrita do livro no período de Nero César, na década de 60 D.C

O que nos resta? Recorrer as informações evidenciais do grupo que defende uma datação mais tardia do livro de Apocalipse, ainda nos dias de Nero.

Esses eruditos que defendem que João escreveu o Apocalipse nos dias de Nero, se baseiam em evidências internas e externas ao livro, a semelhança de seus opositores.

As grandes evidências externas que eles se baseiam são declarações de figuras importantes para igreja, e de historiadores reconhecidos na antiguidade. Vamos começar apresentando duas citações de Clemente de Alexandria, a primeira que diz respeito a libertação de João da Ilha de Patmos, após a morte do tirano, conforme vemos abaixo:

“Quando após a morte do tirano ele se retirou da ilha de Patmos para Éfeso, ele costumava viajar a pedido para os distritos vizinhos dos gentios, em alguns lugares para apontar bispos, em outros para regular igrejas inteiras […]”.

Precisamos salientar que essa citação de Clemente de Alexandria é tão ambígua, quanto a citação de Irineu, utilizada pelos adeptos da datação mais recente do livro do Apocalipse, pois, tanto Nero como Domiciano, se enquadram nessa classificação de “tirano”. Contudo, os escritos de homens como, Apolônio, Tácito, Plínio e Suetônio corroboram com a tese de que a figura do tirano mencionado nos escritos de Clemente de Alexandria, seja uma referência ao imperador Nero César.

Por exemplo, Apolônio afirmou em certo lugar que “Nero era comumente chamado de Tirano” ou como “A Besta”. Segundo Tácito, ele “pôs para a morte muitos inocentes” e “possuía uma natureza cruel. Ou nas palavras de Plínio, Nero era o Destruidor da raça humana, veneno do mundo, cujo poeta e retórico romano Décimo Juvenal, classificou como “cruel e sanguinário tirano”.

Esse argumento que visa extrair as ambiguidades da declaração de Clemente de Alexandria, pode perfeitamente ser rebatido, por evidências complementares que indicam Domiciano como um tirano, tal como Nero foi classificado. Podemos recorrer aqui, a essas evidências. Porém, uma outra declaração de Clemente de Alexandria, nos permite bater o martelo e afirmar que Nero é o tirano mencionado por ele. Clemente diz em outro lugar que, os ensinos dos apóstolos foram concluídos nos dias de Nero.

Para concluímos a questão das evidências externas, usadas em favor da datação mais antiga da escrita do Apocalipse, precisamos citar Orígenes e Eusébio de Cesareia. Orígenes, por sua vez, se refere a João como condenado a Patmos pelo “rei dos romanos”. Essa expressão “rei dos romanos” é uma expressão típica dos imperadores da dinastia Júlio-Claudiano, dos quais, Nero foi o último antes dos generais tomarem o título de César. Nero também, foi o último a ser saudado por este título. Eusébio em outro lugar, mesmo não crendo que João era o escritor do Apocalipse, frisa que João foi banido a Ilha de Patmos por Domiciano. Porém, em outro lugar, de maneira que à primeira vista soa como contraditória, o mesmo Eusébio, descreve o exílio de João, na mesma sentença condenatória que Nero emitiu contra Pedro e Paulo. Exímios defensores do escrito Joanino do Apocalipse na década de 60, como Kenneth Gentry Jr e Gary Demar, sugerem que um duplo exílio resolveria o assunto da possível contradição de Eusébio, e as evidências externas apontam de fato para um duplo exílio sofrido por João, condenado por ambos os imperadores à ilha de Patmos. Poderíamos citar ainda, as evidências contidas no título e datação do livro de Apocalipse, colocado no cânon siríaco, que salienta de forma magistral a escrita desse livro na década de 60, sobre o reinado de “Domício Nero”, mas essa uma questão, será deixada uma outra oportunidade.

Se essas evidências não são suficientes para nos convencer de uma datação Neroniana do Apocalipse, existem diversas evidências internas no próprio livro do Apocalipse, que nos deixam diante do fator real da problemática da datação. Essas evidências se encontram nos capítulos Ap 1:7; 3:11-13; 13:16-18; 17:8-10 e 22:7, 10 e 12. Todos esses textos, servem como marcadores temporais, ou referências a pessoas e impérios do primeiro século.

Por exemplo, o texto de Apocalipse 1:7 diz: “Eis que ele vem com as nuvens, e todo olho o verá, até mesmo aqueles que o traspassaram; e todos os povos da terra se lamentarão por causa dele. Assim será! Amém.”

Há uma marcação temporal nesse texto, que é enfático na declaração que “todo olho verá, até mesmo aqueles que o transpassaram”. Se a ressureição dos mortos acontecerá, depois do retorno de Cristo, uma pergunta que surge é: como as pessoas que transpassaram Jesus, viriam Ele vindo com as nuvens dos céus? Se essa expressão trata de um assunto futuro, temos aqui um problema futurista para ser resolvido.

Não obstante, textos como o capítulo 3:11-13 e 22:7 e 12, frisam que o tempo do cumprimento dessas profecias estavam próximos, e, essas palavras significam que algo estava prestes a acontecer. Sobretudo, o versículo 10 do capítulo 22, fala sobre o ato de não selar o livro, uma expressão conhecida da literatura Apocalíptica, vejam por exemplo, o que diz o livro do profeta Daniel sobre esse assunto: “Mas você, Daniel, feche com um selo as palavras do livro até o tempo do fim. Muitos irão ali e acolá para aumentarem o conhecimento”. As palavras dadas a Daniel se referiam a eventos longínquos dos seus dias, por isso ele, foi incumbido de selar o livro. Por que uma ordem na direção contrária foi dada a João?

Uma grande evidência que os adeptos da data mais antiga da escrita de Apocalipse batem com muita força, é sobre o nome da personagem conhecida como besta. Como já mencionado na parte das evidências internas, Nero ficou conhecido por muitos historiadores como uma “besta”, devido seu comportamento, conduta e práticas. O texto bíblico faz questão de salientar duas coisas importantes para decifrarmos a identidade da besta. Primeiro, “Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem”, quem tem sabedoria, consegueria calcular e identificar quem era a besta, pois, se referem a um homem. Segundo, “Seu número é seiscentos e sessenta e seis”.

Que raios significa essa referência numérica? Bem, precisamos ter em mente, que a forma que o nosso sistema numérico ocidental contemporâneo funciona, é bem diferente do sistema numérico dos dias de João. Podemos dizer que, o sistema numérico do primeiro século – De momentos anteriores também – possuíam funções diferente do nosso sistema, que eram aplicadas também ao sistema de alfabeto do mundo antigo, a saber: Os alfabetos não eram apenas alfabetos, mas sistemas de enumeração (considere os números romanos que conhecemos).

João sendo um judeu do primeiro século, estava habituado com esse emprego dos números por meio do alfabeto, seus leitores também estavam habituados com esse conceito. O Dr. Kenneth L. Gentry Jr diz algo extremamente valioso: “O livro do apocalipse é o livro mais hebraico do novo testamento”. A razão disso são os diversos exemplos, citações diretas e literais das profecias do Antigo testamento, que são utilizadas nesse livro. Aonde eu quero chegar com isso? Que o sistema numérico nesses termos, a luz do hebraico, nos ajuda a identificar a identidade da besta, contida no número seiscentos e sessenta e seis, que nesses termos, são uma referência ao nome de Nero César. A soletração do nome de Nero em hebraico do primeiro século era “nrwn qsr”, que significa “Neron Kesar”. Nós encontramos evidências arqueológicas que documentam essa tese. Além disso, o léxico de Jastrow do Talmude descreve exatamente isso. Vejamos os valores numéricos de cada letra do nome de Nero.

N=50 r=200 w=6  n=50 q=100 s=60 r=200

A soma resulta no número: seiscentos e sessenta e seis.

A primeira impressão que temos, é que esse argumento se apresenta, como algo supersticioso e especulativo, porém, há outros elementos no texto bíblico que servem de apoio para essa fomentar essa argumentação. Vejamos o que diz o texto de Apocalipse 17:9-10

“”Aqui se requer mente sábia. As sete cabeças são sete colinas sobre as quais está sentada a mulher. São também sete reis. Cinco já caíram, um ainda existe, e o outro ainda não surgiu; mas, quando surgir, deverá permanecer durante pouco tempo.”

Segundo o relato de Suetônio no livro “A vida dos doze Césares”, ele descreve a ordem dos imperadores de Roma da seguinte maneira: Júlio César; Augusto; Tibério; Calígula; Cláudio; Nero, Galba […].

Reparem que João escreve a seguinte sentença:Cinco já caíram, um ainda existe”, os cinco primeiros já caíram que são: Júlio César, Augusto, Tibério, Calígula e Cláudio. Um ainda existe, a saber o sexto imperador que é Nero César, a besta menciona no capítulo 13. O texto prossegue: “e o outro ainda não surgiu; mas, quando surgir, deverá permanecer durante pouco tempo.” Galba o sétimo imperador, governou apenas alguns de meses. Ele foi o primeiro do ‘ano dos quatro imperadores’em 69 d.C. Quatro imperadores governaram em uma sucessão notavelmente rápida, o que evidenciava a turbulência no Império Romano que levava ao ano 70 d.C.: Galba; Otho; Vitellius; Vespasiano.

 O texto também menciona, a cidade das sete colinas, que a besta estava assentada, uma referência indiscutível sobre a cidade de Roma.

Conclusão

Bem, parece que a posição de uma datação Neroniana é a que melhor se enquadra com o livro, diante das evidências internas e externas do livro do Apocalipse, é a posição mais fundamentada. Mas, é muito provável que você esteja pensando, o que isso muda em minha vida? Como esse debate vai pagar o café? Bem, como salientei no início do texto, esse debate é fundamental para definir qual a ferramenta hermenêutica deve ser usada para ler o texto bíblico. Visto que, o texto faz menção a personagens do primeiro século, ele trata de profecias que se cumpriram em grandes proporções – Não em totalidade – no primeiro século, deixando-nos a escolha da ferramenta hermenêutica conhecida como preterismo.

Mas o que é essa bendita ferramenta tanto falada aqui, chamada de preterismo? Veremos isso nos próximos episódios.

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